sexta-feira, 30 de setembro de 2011

oi



Se entornaste a nossa sorte pelo chão
Se na bagunça do teu coração
Meu sangue errou de veia e se perdeu
Como, se na desordem do armário embutido
Meu paletó enlaça o teu vestido
E o meu sapato inda pisa no teu

domingo, 11 de setembro de 2011

Vida de artista

À todos os meus amigos atores, músicos, grafiteiros, desenhistas.... artistas!


Na vida sou passageiro
Eu sou também motorista
Fui trocador, motorneiro
Antes de ascensorista
Tenho dom pra costureiro
Parada de loscopista
Com queda pra macumbeiro
Talento pra de adventista
Agora sou mensageiro
Além de paraquedista
Às vezes mezzo engenheiro
Mezzo psicanalista
Tem jeito de batuqueiro
A veia de repentista
Já fui pião, boiadeiro
Fui até tropicalista
Outrora fui bom goleiro
Hoje sou equilibrista
De dia sou cozinheiro
À noite sou massagista
Sou galo no meu terreiro
Nos outros abaixam a crista
Me calo feito mineiro
No mais, vida de artista.

terça-feira, 6 de setembro de 2011

Infância e poesia


"Começarei por dizer, sobre os dias e anos de minha infância, que meu único personagem inesquecível foi a chuva. A grande chuva austral que cai como uma catarata do Pólo, desde o céu do Cabo de Hornos até a fronteira. Nesta fronteira, o FarWest de minha pátria, nasci para a vida, para a terra, para a poesia e para a chuva.  Por muito que tenha andado, acho que se perdeu essa arte de chover que se exercia como um poder terrível e sutil em minha Araucanía natal. Chovia meses inteiros, 
anos inteiros. 
A chuva caía em fios como compridas agulhas de vidro que separtiam nos tetos, ou chegavam em ondas transparentes contra as janelas, e cada casa era uma nave que dificilmente chegava ao porto naquele oceano de inverno. Esta chuva fria do sul da América não tem as rajadas impulsivas da chuva quente que cai como um látego e passa deixando o céu azul. Pelo contrário, a chuva austral tem paciência e continua sem fim, caindo do céu cinzento..."

Pablo Neruda - Confesso que vivi

Ode à chuva

Voltou a chuva.
Mas não veio do céu
ou do Oeste.
Voltou da minha infância.
A noite abriu-se, um trovão
comoveu-a, o estrondo
varreu as solidões,
e então
chegou a chuva
da minha infância,
primeiro
numa rajada
raivosa, depois
como a cauda
molhada
dum planeta,
a chuva
tic tac mil vezes tic
tac mil
vezes um trenó,
uma vasta pancada
de escuras pétalas
na noite,
subitamente
intensa
crivando
a folhagem
com agulhas,
outras vezes
um manto
tempestuoso
tombando
no silêncio,
a chuva,
mar do céu,
rosa fresca,
nua,
voz celeste,
violino negro,
formosura,
amo-te
desde criança,
não por seres boa,
mas pela tua beleza.
Caminhei
com os sapatos rotos
enquanto os fios
do céu escancarado
se desatavam sobre
a minha cabeça,
traziam-nos
a mim e às raízes,
as mensagens
das alturas,
o húmido oxigénio,
a liberdade do bosque.
Conheço
os teus desmandos,
o buraco
no telhado
gotejando
nos quartos
dos pobres:
ali desmascaras
a tua beleza,
és hostil
como uma
celestial
armadura,
como um punhal de vidro,
transparente,
ali
conheci-te de verdade.
No entanto,
continuei
apaixonado
por ti,
de noite
fechando os olhos
esperei que caísses
sobre o mundo,
esperei que cantasses
somente para o meu ouvido,
porque o meu coração guardava toda
a germinação terrestre
e é nele que se fundem os metais
e o trigo se levanta.
Amar-te, no entanto,
deixou-me na boca
um gosto amargo,
amargo sabor de remorso.
De noite, aqui em Santiago,
somente as povoações
de Nueva Legua
se desmoronaram,
as vivendas
cogumelo,
amontoados
fragmentos de ignomínia,
ao peso da tua cólera
desmantelaram-se,
as crianças
choravam na lama,
as camas encharcadas
dias e dias,
as cadeiras quebradas,
as mulheres,
o lume, as cozinhas,
enquanto tu, negra chuva,
inimiga,
caías desalmadamente
sobre a nossa miséria.
Eu creio
que um dia,
que marcaremos no calendário,
terão abrigo seguro,
sólido tecto,
os homens no seu sono,
todos
os adormecidos,
e quando de noite
a chuva
regressar
da minha infância
cantará nos ouvidos
doutras crianças
e alegre
será o canto
da chuva no mundo,
e trabalhadora,
proletária,
ocupadíssima,
fertilizando montes
e planícies,
dando força aos rios,
engalanando
o suave arroio
perdido na montanha,
trabalhando
no gelo
das nevadas,
correndo sobre o lombo
do gado,
engrandecendo o germe
primaveril do trigo,
lavando as amêndoas
ocultas,
trabalhando
denodadamente
e com delicadeza fugidia,
com mãos e com fios
na preparação da terra.
Chuva
passada,
ó triste
chuva
de Loncoche e Temuco,
canta,
canta,
canta sobre os telhados
e as folhas,
canta no vento frio,
canta em meu coração, na minha confiança,
no meu telhado, em minhas veias,
na minha vida,
eu não te receio,
resvala
para a terra
cantando com o teu canto
e com o meu
porque os dois temos
trabalho nas sementes
e partilhamos
o dever cantando.





Pablo Neruda

volúpia



ela só amou duas coisas.  
A primeira foi seu longo cabelo escuro. 
A segunda foi a facilidade com que ela podia cortá-lo,
e não sentir nada.