Peguei-lhe dos cabelos, colhi-os todos e entrei a alisá-los com o
pente, desde a testa até as últimas pontas, que lhe desciam à cintura.
Em pé não dava jeito: não esquecestes que ela era um nadinha mais alta
que eu, mas ainda que fosse da mesma altura. Pedi-lhe que se sentasse.
— Senta aqui, é melhor.
Sentou-se. "Vamos ver o grande cabeleireiro", disse-me rindo.
Continuei a alisar os cabelos, com muito cuidado, e dividi-os em duas
porções iguais, para compor as duas tranças. Não as fiz logo, nem assim
depressa, como podem supor os cabeleireiros de ofício, mas devagar,
devagarinho, saboreando pelo tato aqueles fios grossos, que eram parte
dela. O trabalho era atrapalhado, às vezes por desazo,
outras de propósito para desfazer o feito e refazê-lo. Os dedos roçavam na nuca da pequena ou nas espáduas vestidas de chita
, e a sensação era um deleite.
Mas, enfim, os cabelos iam acabando, por mais que eu os quisesse
intermináveis. Não pedi ao Céu que eles fossem tão longos como os da Aurora
,
porque não conhecia ainda esta divindade que os velhos poetas me
apresentaram depois; mas,
desejei penteá-los por todos os séculos dos
séculos, tecer duas tranças que pudessem envolver o infinito por um
número inominável de vezes. Se isto vos parecer enfático, desgraçado leitor,
é que nunca penteastes uma pequena, nunca pusestes as mãos adolescentes na jovem cabeça de uma ninfa...