domingo, 27 de março de 2011

Dia 27/03 Dia Mundial do Graffiti

Em homenagem ao  Dia Mundial do Graffiti, segue um texto retirado do mundocultural.com.br.



Na Pré-História,  antes da escrita digital fonética, os homens da caverna pintavam nas paredes lisas e retas da caverna as imagens de caçadas e festas rituais.
Nestas paredes há pouco espaço, e o artista, tempos depois, acaba tendo que pintar as novas imagens por cima das antigas.
Gerações depois, os novos artistas pintam sobre as imagens antigas.
Esta sintaxe de sobreposições de imagens pré-histórica forma um padrão arquetípico, presente no Inconsciente Coletivo.
E esta sintaxe evoluirá, até gerar os iconesos (ícone:imagem; eso: dentro - o signo embutido da Semiótica Subliminar), do Neolítico ao neo-eclético (Pós-Moderno - Pós-Histórico).
E a mesma sintaxe hoje surge na apropriação personalizada do espaço urbano pela assinatura de grafiteiros e pichadores.
Estes se apropriam dos melhores muros, paredes, fachadas de prédios e pedestais de estátuas, para torná-los suporte midiático de suas mensagens.
E como há poucos espaços úteis a este propósito (como poucas paredes retas nas cavernas neolíticas), as tribos são forçadas a realizar a mesma sintaxe de sobreposição de imagens dos seus ancestrais, resgatando uma linguagem plástica inconsciente e adaptando-a ao espaço urbano.
Grafite pode ter a origem no termo sgraffito, técnica de decoração mural do Renascimento. Sobre um suporte de fundo escuro, passava-se um revestimento claro, o qual, depois de seco, era raspado na forma dos desenhos desejados.
Arqueólogos encontraram imagens murais e frases pichadas-rabiscadas em cidades antigas como a Pompéia romana do vulcão Vesúvio. Pichações também eram freqüentes na Grécia, Egito, entre os maias, astecas e vários outros povos.
A Antropologia Cultural prova ser outra coincidência plástica que vem comprovar a existência de um Inconsciente Coletivo, memória genética racial dos tempos das cavernas.
Os grafites são crônicas de sua época e refletem os medos e esperanças inconscientes da população que os gerou. São expressos pelo artista anônimo, poeta e desenhista ao mesmo tempo.
Grafites egípcios provaram que mercenários gregos serviam no Exército Egípcio no século VII a.C., que os navios eram construídos em docas com equipamentos semelhantes aos atuais, etc.
Banheiros públicos revelavam os recalques e os prazeres por meio de textos poéticos juntamente com desenhos rápidos, uma intermídia típica do equilíbrio entre cérebro esquerdo e direito.
Prática antropológica e estética até hoje presente nos banheiros públicos.
Pois o banheiro é o espaço da Sombra, do Inconsciente, do que é privado, oculto, e nesta praça (espaço e tempo) o artista revela-se anonimamente, expurgando (em catarse) fantasias e ódios, prazeres e medos.
O grafite-pichação ganha a magnitude de expressão plástica-política ganhando as ruas da cidade com as transformações sociais, sintomas da Pós-História.
Na revolução estudantil de maio de 1968 em Paris, os estudantes saíram pelas ruas e picharam as paredes da Sorbonne com palavras de ordem como "É proibido proibir", "A imaginação no Poder". E estas frases eram acompanhadas de desenhos, ora feitos com máscaras, ora desenhados à mão livre.
Os muros tinham a palavra, desafiando a concepção funcionalista dos espaços públicos, e foram usados para contestar o Estado, a Política, a Mídia.
A intervenção urbana foi de tamanha grandeza que saiu do movimento estudantil e foi empregada por anarco-sindicalistas e artistas plásticos, espalhando-se pelo mundo espontaneamente, do pincel atômico ao spray, chegando ao bastão punk.
O bastão é subversivo desde a sua manufatura:
 1) Recolha cera no cemitério mais próximo (raspe das criptas e capelas);
 2) Compre pó xadrez nas cores desejadas na loja de tintas;
 3) Derreta a cera no fogão e misture a cor;
 4) Coloque na fôrma (tubo de plástico de desodorante vazio).
Este bastão é usado pelos punks para rabiscar seus slogans pela cidade, como "Anarquia não é bagunça", "Vote nulo - Não sustente parasitas", etc.
Frases que são representativas dos valores da ideologia anarquista processados também nas letras de música das bandas, nas camisetas, botons e zines. Típica intermídia que as pessoas que não navegam  o ambiente-ciberespaço do grupelho pensam ser apenas frases nos muros, sem vislumbrar a grandiosidade desta intersemiose.
Em New York, as gangues grafiteiras picham os trens do metrô, fazendo deste suporte móvel o mensageiro portador de suas mensagens, divulgando seus gostos e idéias.
Uma destas gangues, fã de Vaughn  Bodé, reproduz seus personagens nos vagões, criando extensos murais.
Bodé foi um quadrinhista ligado ao comix (quadrinhos underground) que criou todo um universo coerente (ciberespaço), cheio de mulheres sensuais e lagartos cômicos. Popularizou-se com HQ's curtas em revistas de vanguarda, dono de um humor inteligente e valores da contracultura. Seu trabalho plástico passa dos quadrinhos às camisetas e adesivos, chegando aos grafites de metrô.
Esta intermídia faz o trabalho ser conhecido por multidões de nova-iorquinos e ajuda a vender suas revistas reeditadas (Bodé faleceu em 1975).
Seu trabalho é resgatado por uma tribo urbana nos anos 80.
E isto abre espaço para seu filho lançar-se como sucessor-imitador com quadrinhos imitando as temáticas, o traço e a cor do gênio que foi um dos criadores do gênero hemoglobine comix (HQ de alta violência, precursor do mangá japonês e desenho animado "Akira", dos anos 90).
Uma das belezas da Aldeia Global é que suas manifestações estéticas são canibalizadas por novas mídias, novos suportes, gerando este efeito inesperado, em que quadrinhos dos anos 70 ressurgem, "reencarnam", re-midializam-se como grafites no final dos 80.
Os jovens de 16 anos são menores e irresponsáveis perante a lei, o que dificulta a ação repressora da polícia.
O Muro de Berlim (no lado ocidental, lógico) foi o maior painel de grafites da nossa era videográfica.
Grafiteiros esmeram-se no uso de cores e volumes (degradées), e o grafite dos anos 80 ganha espaço nas galerias de arte: pesquisadores universitários escrevem sobre eles, elaborando teses de Mestrado e Doutorado em todo o mundo.
No Brasil dos anos 70, um grafite-pichação torna-se famoso em São Paulo: "Cão fila km 26", seguida dos clássicos "celacanto provoca maremoto" e "gonha mó breu".
O nonsense cria uma sinergia-identificação, assume ares de código secreto, criptografia contra a ditadura militar, proliferando-se pelos muros de São Paulo. Pura poesia urbana em que os cidadãos projetam mil redes inconscientes de subtexto.
Destas frases vêm sonetos, recados, trocadilhos, clecs e epigramas. É a Poesia Marginal sobre novo suporte - do mimeógrafo a álcool para os muros urbanos, tocando muito mais pessoas.
Até aí, a apropriação do espaço (intervenção) é anônima e frasal.
Em 1978, Alex Vallauri chega da Europa e, usando uma máscara (molde de papelão ou cartolina e spray), grafita a Bota Preta, seguida de luvas, crocodilos, telefones, até chegar aos complexos murais da Rainha do Frango Assado.
A frase divide espaço com os grafiteiros figurativos.
E muitos teóricos que não vivenciam o processo insistem em diferenciar a pichação do grafite, quando desde os banheiros públicos de Pompéia romana as frases convivem com desenhos, e a própria origem do termo grafite refere-se a grafismos murais rabiscados renascentistas.
Grafites figurativos e pichações verbais: uma distinção artificial feita por pseudo-pesquisadores olhando de fora um movimento de arte das ruas, cuja complexidade intermídia escapa a classificações superficiais. Vejam-se os punks e Vaughn Bodé!
O pejorativo tom atribuído à pichação é fruto de ignorância e pressa em escrever sem observar, fruto de uma arrogância e impáfia dos Doutores Universitários.
Os grafites têm o mesmo valor das pichações. As letras criadas pelas gangues especialmente para suas tags (assinaturas) e empregadas nas frases têm por si sós efeito estético, são linhas sinuosas, grafismos góticos ou barrocos.
E tais frases representam todo o ciberespaço e subtexto, valores e costumes ignorados por pessoas estranhas a este universo molecular e fractal.
Lendas urbanas e toda uma mitologia de grupo manifestam-se nas pichações velozes, feitas no ritmo do videogame e com a mesma fragmentação do videoclipe.
A pichação rápida é manifestação do cérebro direito, baixa definição democrática.
Já o grafite com máscaras e cores exige tempo e planejamento e é, claramente, uma expressão de cérebro esquerdo, detalhada, consciente, alta definição opressora e fascista.
A pichação é assinada por uma tribo (tag), e o grafite tem autoria, é o artista personalizado que pode estar querendo notoriedade e projeção na mídia. Veja-se quantos grafiteiros estão nas galerias de arte vendendo para as elites.
Isto não ocorre com a pichação espontânea e anônima, obra de arte coletiva, jovem, atual.
A pichação é mais sincera e, semiótica e midiologicamente falando, está mais coerente com os gêneros plásticos em crescimento nos anos 90, com a volta das narrativas (story tellers) de forma desmanchada, de-construídas, estilo videoclipe, zapper, onde o que tem significado, são os fragmentos e seus subtextos.

Esta arte urbana precisa ser livre, nômade, contestadora, desafiando o espaço proibido. Como uma guerrilha plástica, um grafite feito com autorização ou à luz do dia não é nômade e transgressor, mas uma mera decoração censurada e policiada, com carimbo de autorização.
Por isto, as atividades de grafite patrocinadas pelo Poder Público em oficinas ou grupos permanentes, como algumas Prefeituras autoritárias vêm fazendo, é uma afronta a esta arte, um modo de destruir a espontaneidade deste movimento urbano, uma castração stalinista realizada por pavor. São fruto do medo que os ditadores têm dos verdadeiros poetas e artistas, medo da crítica, da liberdade, do humor.
A pichação é rápida, "morde e corre" - como ensina Guevara, o "Che", sobre a guerrilha.
Sobreposições são a regra, os muros falam, gritam.
E estes gritos atualizam-se constantemente, pois muda o contexto, estes textos anônimos figurativos e verbais (grafites são pichações, e vice-versa) estão ininterruptamente sendo reescritos, sobrepondo-se como takes num videoclipe, um ideograma chinês, um poema concreto.
Os grafiteiros autores ofendem-se quando seus bem-comportados murais são "sujos" pelas frases dos "moleques pichadores", e esta postura de cérebro esquerdo evidencia o quanto estes não vivenciam e não compreendem este processo neolítico, esta sintaxe de sobreposições pós-histórica, esta arte efêmera, que está velha 24 horas depois de secar.
Pichadores acrobáticos atacam desde telhados de prédios até viadutos, bombardeiam suas tags e frases, desenhos e epigramas ricos em subtextos tribais, pulverizam sua identidade em qualquer lugar da cidade, navegam à deriva como nômades à caça de um espaço, uma superfície. Pura guerrilha cultural, intervenção urbana.
Incompreendidos, os pichadores são representantes da arte urbana em sua maior espontaneidade e contemporaneidade. Perambulam pelo espaço e atualizam os muros a cada tempo-contexto, estão sempre em movimento, em trânsito permanente. São os passageiros do efêmero.
Pichadores reagem contra a frieza da cidade e deixam sua marca, personalizam o espaço, des-massificam o cidadão com o poder do sorriso que repuxa o canto dos lábios e desafia, surpreende.
Amanhã, ele pode ser completado por outro rabisco de outra tribo, outro desenho, outro tipo de letra, sobrepondo-se no duelo pelo espaço e pelo fluxo de quem passou mais vezes pelo muro em uma semana. A pichação vai aos poucos se apropriando da cidade.
Diálogo plástico em que coexistem autorias coletivas, todas participam, colaboram para murais neolíticos na urbe pré-ano 2000, questionando as formas canônicas, os sintagmas visuais de cérebro esquerdo, regras de cor e composição respeitadas pelos grafites.
Um novo ritmo de significantes (suporte midiático muro) com significados de contestação.
Como disse o poeta da Revolução Russa, Maiakowski: "Não há arte revolucionária sem forma revolucionária".
Aforisma que a midiologia vem confirmar com os estudos de suportes, retomando McLuhan: "O meio é a mensagem".


Lindo né?! 
Obrigadaaaaaaaaaaaa à todos que colorem o cinza das nossas cidades!
EUAMOVOCÊS
(L)

Nenhum comentário:

Postar um comentário