sábado, 9 de julho de 2011

Ma vie en rose


Laranja, amarelo, vermelho e rosa, muito rosa, de vários matizes. Mais escuros, mais claros, mas inconfundíveis na sua graça, leveza e sinal de feminilidade e doçura. Essas são as cores que se destacam em Minha Vida em Cor-de-Rosa (Ma vie en Rose, 1997) O filme dirigido por Alain Berliner conta brevemente a história de Ludovic, um menino de sete anos que tem certeza de ter nascido no corpo errado. Ele sabe que gosta de brinquedos diferentes, roupas diferentes, e brincadeiras diferentes. Ludo age, pensa, sente e sofre como um menina. O conflito entre o que Ludo deseja e o que seus pais acham melhor para ele resplandece durante todo o filme. Logo no começo percebe-se a tônica do filme: o carinho a compreensão entre pais e filhos numa sociedade que não aceita o que não é padronizado, controlado e modelado. Ludo brinca e se diverte com a mãe e avó numa troca de carícias e afeto que chega a ser melosa, mas que nos traz lembranças de uma infância em que carinho não era tabu nem desculpa. A fotografia do filme prima por cores quentes, como quente é a relação de amor e ódio que a mãe tece com o filho “bom em disfarces”, como cita o pai na festa de recepção do bairro à nova família padrão.
A mãe de Ludovic é a mãe padrão: preocupa-se com tudo em com todos, generaliza sua atenção e acaba não percebendo pequenos detalhes da vida cotidiana. Sua compreensão das vivências (trans? homo? bi?) sexuais do filho tem com limiar a visão que os vizinhos tem da família e do pequeno Ludo. Inicialmente todos encaram como uma brincadeira, que há de passar; mas o tempo passa, e a única mudança que ocorre é que Ludo encontra uma explicação científica para o que sente com sua irmã mais velha. Não há conversas de pai-filho, mãe-filho, não se discute o que Ludo sente. Há apenas uma pressão social para que ele se encaixe num corpo-modelo-arquétipo que não compreende, e que fica mais forte ainda quando a sua mãe lhe encontra “casando” com seu “noivo” no quarto da filha morta da família vizinha (vale ressaltar que Ludo e o menino da casa ao lado desenvolveram uma relação de amizade-amor muito forte, mas de uma pureza tocante), e com um vestido dela. “Você é homem, jamais será uma menina!” gritam todos na casa revoltada pela travessura inocente de quem não compreende sua identidade.
Pois, meu caro Sr. Sérgio, o amigo há de ter a bondade de ir ao cabeleireiro deitar fora estes cachinhos...”

A frase do Ateneu, de Raul Pompéia, resume a cena que mais toca no filme: Ludovic tem seus cabelos cortados, dissipando-se assim qualquer intenção dele de ser menina, ou melhor, de ser ele mesmo. Junto com suas mechas vão seus sonhos, suas vivências, mas um novo tempo começa.
Ludo era homo(bi)(trans)sexual? não se pode definir, até porque esse não parece ser o mote principal do filme. As crianças tem relações muito diversas em relação aos companheiros de brincadeiras, e em certas fases da infância, a prioridade é o próprio sexo. Isso não pode ser encarado como homossexualidade, mas como um processo necessário à compreensão do seu papel como ser humano. O que marca no filme é a necessidade de priorizar o diálogo com a infância, não apenas ouví-las, mas elevar a nossos sentimentos na ponta dos pés, para não machucá-las.

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